A Associação dos Hotéis e Resorts de Angola (AHRA) considerou hoje que o turismo interno “está a revitalizar-se”, fruto da diminuição das viagens internacionais, exortando o Governo a uma “maior compreensão e apoio financeiro” ao sector.
“O que precisamos é de apoio financeiro em condições de viabilidade económica e financeira no âmbito dos programas de revitalização da economia, cuja responsabilidade é dos órgãos do Estado”, afirmou o presidente da AHARA, Ramiro Barreira.
Numa mensagem, divulgada por ocasião do Ano Novo, o responsável disse esperar, em 2022, “uma maior compreensão das autoridades” para com este sector “importantíssimo para ajudar a desenvolver o país, numa altura em que o turismo interno começa a revitalizar-se”.
Segundo Ramiro Barreira, que não se esqueceu das contrariedades e adversidades derivadas da Covid-19, sobretudo nos últimos três anos, este ano a AHARA quer estar “mais próximo dos associados para compreender as suas dificuldades e ansiedades”.
“Continuaremos a nossa agenda de reuniões mensais do conselho de direcção e manteremos contactos permanentes como executivo, através dos ministérios da Cultura, Turismo e Ambiente e da Economia para que as políticas de apoio à economia contemplem também no nosso sector”, assinalou.
Os actores do sector hoteleiro, cuja força de trabalho antes da crise rondava os 223 mil trabalhadores directos, realçou o presidente da AHARA, é uma força muito importante e “nem sempre” tem “encontrado as melhores políticas de apoio” ao sector.
“Estamos esperançados e convictos que 2022 será diferente. Também esperançados que este ano, que agora se inicia, aprenderemos a conviver e a trabalhar com a Covid-19, numa base de muita sustentabilidade e produtividade”, concluiu Ramiro Barreira.
Angola é Luanda. O resto? Bem, o resto é só paisagem
Recorde-se que AHRA lamentou em Setembro de 2019 a falência de muitas unidades hoteleiras do país, originada pela “brutal redução das taxas de ocupação”, apontando, no entanto, uma “considerável subida” nas taxas de Luanda. Como nos tempos coloniais, Angola continua a ser Luanda e o resto paisagem.
“Trouxemos também para o debate as causas que têm levado a termos maior constrangimento neste momento e que provoca uma brutal, para não dizermos dramática, baixa de taxas de ocupação e que tem estado a levar à falência muitas das nossas unidades hoteleiras”, afirmou na altura o presidente da AHRA, Ramiro Barreira.
Falando em Luanda (onde mais poderia ser?), na abertura do 1º Congresso Nacional de Hotelaria, Ramiro Barreira disse que a situação levava a que o sector registasse “muito desemprego”, defendendo a necessidade de “crédito, principalmente, na reactivação do sector hoteleiro”.
“Pedimos também que continuemos de mãos dadas com o executivo para encontrarmos as melhores plataformas que visem, a breve trecho, pôr Angola no caminho certo do desenvolvimento e do crescimento económico”, adiantou.
Para o líder associativo, apesar do contexto difícil, os operadores do sector sentiam “alguma retoma da economia angolana” com reflexos na “melhoria considerável” das taxas de ocupação, sobretudo em Luanda, que nos últimos tempos passaram de “quase 25% para 30% e há hotéis que atingem os 60%”.
Reconheceu também que o estado caótico de muitas vias rodoviárias (quem diria, não é?) constitui um grande “handicap” para o crescimento do sector hoteleiro, situação que converge para que as taxas de ocupação nas unidades hoteleiras do país sejam baixas.
“Compreendemos que há algum esforço na melhoria de algumas vias e esperamos que até ao final do ano possamos ter estradas em condições”, notou.
Segundo Ramiro Barreira, “é falsa” a questão segundo a qual a qualidade dos serviços hoteleiros do país deixa a desejar e que os preços sejam exagerados, porque os “casos isolados e já identificados”, não se podem sobrepor a qualidade que muitos hotéis, resorts e albergarias apresentam.
A qualidade dos serviços hoteleiros do país, energia e águas como factores indispensáveis para o desenvolvimento da hotelaria e turismo, o financiamento ao sector, higiene e segurança alimentar foram alguns dos temas em discussão no congresso.
Turismo pré-histórico mas bem vestido
Na altura foi afirmado que o papel das agências de viagem no Turismo em Angola estava limitado pelas dificuldades existentes no terreno, como a falta de divisas e de infra-estruturas, os elevados custos e a fraca competitividade, tornando a actividade dos operadores uma aventura.
A síntese foi obtida (Maio de 2019) a partir de uma recolha de testemunhos feita pela agência Lusa junto de quatro agências de viagem que operavam em Angola, que, apesar das dificuldades, acreditavam que o mercado iria melhorar, sobretudo depois de Luanda ter acolhido o Fórum Mundial do Turismo, em que ficou demonstrada a aposta do Governo num sector ainda “virgem” e com “muito potencial”.
“As agências de viagem ainda têm um caminho muito grande a percorrer. Somos pioneiros. Neste momento, há a intenção por parte do Governo para podermos evoluir um pouco mais, de investir no sector em que o mercado não está delineado. Ainda não sabemos definir o que são agentes de viagem e agentes de turismo. Isso quer dizer que, nós, agentes de viagens, temos sido praticamente grandes aventureiros no sector, porque temos estado a fazer este duplo papel”, disse à Lusa o CEO da Mesant Viagens.
Para Júlio Antunes, os problemas avolumavam-se com o “cepticismo” reinante no sector, complicando-se na questão do acesso aos vistos, nas acessibilidades, nos transportes aéreos e terrestres, na qualidade das unidades hoteleiras, na falta de luz e de água, factores que encarem o preço final a ser cobrado ao turista.
As queixas eram comuns também às outras agências, uma vez que as directoras executivas da Agência de Viagens Tropicana, Amélia Bravo, e da Atlântida WTA Viagens, Isabel Apolinário, e à responsável do Grupo Alive Travel em Benguela (Sul), Rebeca Barreiros, que referiram as mesmas dificuldades no exercício de uma actividade que, em Angola, se pode tornar “muito rentável” e ser até “o novo petróleo”.
“É preciso muito diálogo com o Governo. Há muitas razões que impedem o turismo de se tornar um factor de desenvolvimento. Mas podemos ter sucesso e fazer do turismo um ‘novo petróleo’ em Angola, com uma grande receita”, acrescentou Júlio Antunes.
Para os quatro, as viagens internas são um peso muito grande no custo e a crise económica só veio agravar ainda mais um sector que nunca se desenvolveu e que nunca soube aproveitar os dinheiros das receitas petrolíferas no sector.
“O turismo interno, para os nacionais e para estrangeiros que vivem em Angola, ainda é algo bastante caro. Para alguém se deslocar, as passagens aéreas têm valores bastante elevados, o que vai tornar-se menos competitivo do que em relação a São Tomé e Príncipe, Namíbia ou África do Sul. O estado das estradas também não facilita que haja um desenvolvimento de uma procura para as pessoas se movimentarem por meios próprios e acaba por tornar-se muito mais caro”, sublinhou Rebeca Barreiros.
Segundo a responsável do Grupo Alive Travel, com sede em Benguela, o interior está ainda pouco ou nada apetrechado em infra-estruturas, com falta de recursos humanos e com hotéis em que a qualidade deixa a desejar.
“O grande constrangimento são os recursos. Os acessos são muito difíceis. Há hotéis nas províncias, mas nos pontos-chave turísticos por vezes não existem. Faltam recursos humanos capacitados, que atendam o turista de uma forma como estão habituados”, disse, por sua vez, Isabel Apolinário.
“Falta água, falta luz, os hotéis têm muita dificuldade porque pagam somas muito elevadas para terem água nos hotéis, a luz é à base de geradores. Toda esta infra-estrutura que falta vai penalizar o turista, porque os preços são caros”, realçou Isabel Apolinário.
Também Amélia Bravo lamenta que a crise financeira tenha ofuscado o turismo interno e internacional, em que as companhias aéreas, por exemplo, conseguem ter os mesmos serviços que as agências, mas com melhores preços.
“Com a crise, muita gente já não viaja e já não procura os serviços da agência, preferindo ir directamente ao local onde se compra o bilhete que, se calhar, até fica muito mais barato. Somos revendedores dos bilhetes e muitas vezes as classes que temos são as mais caras. Um cliente que venha à agência prefere ir, depois, aos balcões das companhias aéreas, onde os bilhetes são mais baratos”, disse Amélia Bravo.
A queixa de Júlio Antunes foi, porém, mais longe: “A nossa companhia de bandeira, a TAAG, está infelizmente num pé de superioridade em relação a nós, porque tem os mesmos serviços que nós e com melhores preços. Somos revendedores de serviços e estamos a ficar fora da corrida”.
As companhias aéreas cobram um valor “muito alto” pela caução e há empresas que, com ou sem contratos, “não honram” os compromissos”, o que acaba por limitar a actividade num sector “muito dinâmico, em que é o capital circulante que faz andar as agências”.
Isabel Apolinário lembra que o sector, até há bem poucos anos, vivia do ‘corporate’, uma vez que o turismo “não era, de facto uma grande realidade”, mas até nesse nicho de mercado a actividade está com dificuldade, com o consequente fecho de portas de muitas empresas.
“Mas continuamos com o mesmo problema que já data de alguns anos, as divisas, mesmo o pouco turismo que é pedido, é muito difícil, porque não temos como pagar no exterior”, afirmou.
Folha 8 com Lusa